17/04/2013

Outro Nelson, outro Armando, por favor!

Nelson Rodrigues e sua máquina de escrever

Queria ser um Nelson Rodrigues, com a visão falha, mas com texto preciso, para narrar o que aconteceu aos 24 minutos do segundo tempo do jogo Botafogo e Nova Iguaçu. Só Nelson poderia nos dizer precisamente o que aconteceu. Só alguém sem o olhar apurado poderia enxergar verdadeiramente os fatos daquele lance e traduzir para nós em (belas) palavras a essência do que ocorreu. Creio eu, começaria dizendo que, dos estádios do Rio de Janeiro hoje, só Moça Bonita estaria apto a receber tal jogada. Que me desculpem o Engenhão (interditado) e o Raulino de Oliveira. Se não pode ser no Maracanã, tinha que ser no Proletário. Um estádio que já recebeu Garrincha em seu auge!

Digo isto baseado em uma frase do próprio Nelson: "No futebol, o pior cego é o que só enxerga a bola". Foi o que nós, boçais, fizemos. Ele diria que não conseguimos enxergar o que estava para acontecer quando Seedorf recebeu aquela bola na ponta esquerda. Todos nós só fizemos olhar para bola. Esquecemos o que é o Botafogo, quem já jogou pelo Botafogo, que estádio era aquele, e (como verdadeiros idiotas) queríamos que Seedorf desse prosseguimento na jogada de forma objetiva ou pragmática - palavras em alta no futebol de hoje. Mas não, Seedorf sabe quem ele representa, sabe que camisa ele veste, sabe da história que carrega nas costas - a sua própria e, agora também, a do Botafogo. Parecia ter extraído de um texto de Armando Nogueira a sua performance daquele dia 14 de Abril. Posso afirmar, com certeza, que Seedorf leu o texto 'O Botafogo e eu...' do próprio Armando antes de entrar em campo.

O que Armando escreveria quando Seedorf aparou a bola e olhou, do alto de sua técnica, todos em campo? Diria que para nós o tempo corria, mas para Seedorf estava tudo parado. Os outros eram tartarugas a se arrastar pelo gramado sem conseguir acompanhar a velocidade de seu pensamento. Ele nem precisou tocar na bola quando o zagueiro parou estático à sua frente. Outros jogadores veriam o marcador como uma muralha da China, para Seedorf era um mero 'joão' que atrapalhava a jogada que sabia que iria fazer 5 segundos depois. É isso mesmo, o pensamento de Seedorf estava 5 segundo a frente do pensamento de qualquer um naquele estádio - ou até mesmo de quem o assistia em casa pela TV. Se os narradores entendessem futebol, e enxergassem o jogo, já gritariam gol naquele momento. Porém, o lance seguiu. Precisávamos ver para crer.

Armando Nogueira e seu filho - devidamente uniformizado

Agora, tente imaginar como Nelson e Armando relatariam quando a perna direita de Seedorf quis cruzar a bola, mas ele não permitiu - chutando o vento? Nunca saberemos! O que vimos foram os outros jogadores não definirem se deviam correr ou se deviam parar. Por instantes, eram todos espectadores do mágico e belo futebol jogado por Seedorf - que com apenas 5 segundos foi capaz de nos fazer lembrar Garrincha. Seu corpo balançou, as pernas se trançaram, o zagueiro não sabia pra onde ir. Sem tocar a bola, fez que ia para seu lado direito. Quando todos deram conta do que acontecia, ele já estava na esquerda preparando o cruzamento perfeito para Lodeiro. Devido às regras do futebol o gol foi anotado para o uruguaio. Porém, se houvesse justiça, o gol teria sido dado a Seedorf - independentemente de quem foi que jogou a bola para as redes. Se a imagem da TV diz outra coisa, pior para a imagem da TV, diria Nelson.

Ah, como eu queria uma crônica de Nelson, tendo Seedorf como seu personagem da semana. Como eu queria que Armando Nogueira pudesse assistir e descrever o craque holandês desfilando técnica e fazendo jogadas de Garrincha, gols de Heleno e passes de Didi, envergando a camisa do Botafogo. Imaginem os textos que eles escreveriam! Por isso digo: o que seria do futebol sem os que veem além do que acontece em campo? Como eu queria ser um Nelson, um Armando, para poder escrever e contar para meu filho o que Seedorf fez e vai fazer com a camisa do meu time do coração. Como eu queria, ao invés de assitir ao jogo, poder ver o jogo de verdade, como eles faziam.

Botafogo ontem, hoje e sempre! 'D.V.'


Seedorf e o panteão alvinegro:

Aproveitando que estamos falando de Armando Nogueira segue o trecho de um dos seus textos:

"O torcedor do Botafogo tem um coração repleto de memoráveis cintilações: convivem, na mesma estrela, dribles insondáveis de Garrincha, passes impressentidos de Didi, antevisões de Nilton Santos, cismas de Carlito Rocha e gols, muitos gols, de Heleno de Freitas, cada um mais épico que o outro." - Armando Nogueira

Você acha que Seedorf já faz parte desse panteão alvinegro?


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